terça-feira, outubro 04, 2011

Atravessando paredes

Tudo ao seu redor girava. Parecia que todos os fogos de artifício estavam explodindo diante de seus olhos. As cores se alternavam na mesma intensidade que o som propagava e apitava estridente em seu ouvido. Ele estava completamente zonzo.
Passado o efeito anestésico do baque, veio a dor. Ele se lembrava dessa dor, pois não era a primeira vez que a experimentava. E no instante seguinte, engoliu a saliva da boca e sentiu o gosto férreo do sangue. Por hora seus dentes estavam no lugar, mas o corte no lábio contribuía com a pancada o fazendo ver as estrelas ao redor de sua cabeça.
Os que passavam por ele não ofereciam ajuda, apenas deixavam aquele velho olhar de reprovação. Todos os dias ele estava lá, sofrendo a mesma silenciosa acusação dos que passavam. Os que não o reprovavam, pensavam que ele era louco ou algo parecido. Afinal, todas as pessoas conhecem o ditado que ‘errar é humano, persistir no erro é burrice’.
Mas ele não se importava com o que pensavam. Todos os dias, ele estava no mesmo lugar, fazendo a mesma coisa; sofrendo a mesma dor decorrente da forte pancada.
Certo dia um velho aproximou-se do jovem enquanto este se recuperava de um novo baque e perguntou o motivo dele fazer aquilo. Não havia repreensão em seu tom de voz, pelo contrário, havia respeito. O rapaz ergueu os olhos, ainda sentado no chão, e disse ao velho que fazia aquilo, pois alguém um dia disse que ele não era capaz. O silêncio perdurou por alguns instantes, o velho refletia sobre aquilo que tinha acabado de ouvir. Por fim, respondeu ao jovem que ele deveria mudar o foco do seu pensamento, pois, até então, ele só tinha comprovado que realmente não era capaz. Ele limpou suas roupas e começou a se afastar do garoto, quando parou e disse: “Por que não pára de provar a esse sujeito que ele está certo e começa a acreditar que realmente pode fazer isso?”.
Passaram dias e nada havia mudado. O jovem continuava a fazer sua rotina diária e enfrentar o forte impacto e as conseqüentes dores. Mas aquelas palavras foram alimentando algo dentro dele que estava adormecido. Em nenhum momento alguém lhe disse que aquilo que pretendia fazer era impossível, apenas que ele não era capaz. E foi pensando nisso, que desejou realmente fazer aquilo a que se propôs a fazer.
O dia estava limpo, as pessoas caminhavam normalmente e algumas até aguardavam pelo jovem para poder rir de seu mais novo tombo. Mas dessa vez, o inesperado aconteceu. O garoto chegou com um olhar diferente, como se tivesse envelhecido anos de um dia para outro. Estava seguro daquilo que estava prestes a fazer e não trazia o medo ou o receio do impacto que outrora fossem comuns. Isso atraiu a atenção de muita gente, que parou sua rotina para observá-lo.
Ele cerrou os punhos, trincou os dentes, semi-serrou os olhos e correu. Diferente das outras vezes, ele não estava tímido ou evitando atingir a máxima velocidade, suas pernas moviam-se de acordo com a explosão de seus músculos; ele acelerava. As pessoas arregalaram os olhos, pensando que o impacto poderia lhe causar sérios ferimentos dessa vez. Mesmo assim, ele corria. Ninguém foi capaz de acreditar, mas quando todos esperavam por um choque e o baque do seu corpo estatelando contra a parede, o que viram foi uma nuvem de poeira se erguendo e o corpo do rapaz destruindo o cimento o qual sempre se chocava. Seus cabelos, seu rosto e corpo estavam esbranquiçados em função dos destroços. Mas isso não importava, ele estava do outro lado, sem nenhum ferimento sequer.
Aquele jovem, não comemorou. Nem mesmo esboçou um olhar soberbo para reprimir aqueles que duvidaram dele. Pelo contrário, ele simplesmente partiu. Deixou aquelas pessoas para trás, dando a elas a simples prova de que um objetivo traçado pode ser alcançado se dispormos de dedicação e confiança em nós mesmo; até mesmo se o objetivo for atravessar uma parede.

terça-feira, setembro 20, 2011

Eu não busco as estrelas

Não importa as coisas que me aconteceram no passado, assim como não faz a menor diferença aquilo que acontece no meu presente. As conquistas, as glórias e as vitórias, podem ostentar a minha prateleira, mas logo perdem espaço em meus pensamentos, que buscam olhar para frente; apenas para frente.
Ter você ao meu lado é a forma mais clara de demonstrar uma conquista e um objetivo alcançado. Mas não pense que será esquecida em minha prateleira, pois agora almejo o futuro com você ao meu lado. Quero pensar sempre no próximo passo.
Você pode me beijar agora, mas estarei pensando no próximo beijo. Posso lhe cobrir de presentes, mas minha mente trabalha intensamente em qual será o próximo presente que lhe darei. Não importa se os humores estão abalados, ou se algo me aborrece. Meu pensamento está no dia seguinte, no próximo mês e até mesmo nas próximas brigas que iremos superar.
Talvez o presente esteja lhe satisfazendo, mas eu não me aquietarei até ter traçado um futuro ainda mais grandioso. Chame-me de ambicioso se quiser, mas isso não tem nada com ambição. Chame-me de sonhador, mas isso não tem nada de fantasioso ou irreal. O que passa por minha incansável mente é uma única coisa: tê-la para sempre. E ao usarmos a palavra como ‘sempre’, estamos assumindo compromissos que fogem de nosso controle. Não controlamos todas as variáveis do universo, não podemos garantir que tudo aconteça conforme planejamos. Aquele ditado martela a minha cabeça e luto diariamente para enfrentá-lo e provar ao universo que existem outras coisas certas, além da morte.
Construímos nossa casa, subimos o nosso castelo. Alcançamos o topo do mundo. Mas eu quero lhe dar mais, pois você merece as estrelas.
E quando eu estiver com a primeira delas em minhas mãos, as estrelas não serão o bastante. Pois eu a quero para sempre. E o 'sempre' exige mais do que algumas estrelas.

terça-feira, setembro 13, 2011

Chiquito

Você levanta cedo para trabalhar, pega ônibus lotado, trem apertado e em nenhum deles consegue viajar sentado? Mas que pena, você não é nem um pouco sábio.
Esperto é o Chiquito; jovem, saudável e cheio de manias interessantes. Ele levanta cedo também, ou você pensa que só a sua vida é corrida? Acorda, toma um banho e depois de 45 minutos arrumando o topete, Chiquito está preparado para tomar o café da manhã. Receita sadia, repleta de fibras e vitaminas. Um mamão aqui, uma banana ali, um açaí aqui e ali. Entre uma coisa e outra toma uns comprimidos. O azul, o vermelho, o amarelo e o preto. O preto é o mais irado, chega a dar um troço do tipo ‘sei lá’!
Agora Chiquito está pronto para sair. Pega as chaves de seu conversível importado e sai queimando o chão. Esse Chiquito é um cara que se deu bem na vida. Enquanto isso, você está no seu trabalho, ouvindo sermão, tomando safanão e quando pede aumento... Já sabe que vai ouvir ‘não’!
O som bombando já faz as vidraças tremerem e os alarmes dos carros tocarem; 5 minutos depois, Chiquito chega à academia. Puxa um ferro aqui, bate um papo com os amigos ali, confere o topete aqui e ali. Entre uma coisa e outra toma uns comprimidos. Dois azuis, dois vermelhos, dois amarelos e dois pretos. Já falei que o preto é irado? Quando ele toma os pretos, dá um negócio do tipo... ‘sei lá’!
Depois de malhar, Chiquito passa no trabalho, mas só pra dar as caras e lançar uns xavecos nas gatinhas que contratou; talvez dar um alô pro paizão, afinal ele é o patrão! Feito isso, precisa ver com qual das cocotas vai sair essa noite. Ou podia fazer o mesmo da semana passada, sair com duas juntas. Você é casado? Aposto que chega cansado, esgotado e ainda por cima acaba sendo mal amado? É uma pena, se você fosse esperto, faria como Chiquito.
Chega aquele momento de indecisão: terminar o relatório mensal, participar da reunião departamental ou pedir ajuda para seu chefe, aquele animal? As escolhas são essas, pois o horário do almoço não te pertence e isso você pode fazer outra hora, ou outro dia. Já o nosso amigo Chiquito tem sua parcela de incertezas também. Sempre que chega ao restaurante do Lee, não sabe se pede um sushi com sashimi aqui, um temaki e uramaki ali, um hossomaki aqui e ali. Entre uma coisa e outra toma uns comprimidos. Três azuis, três vermelhos, três amarelos e três pretos... Sim o preto ‘sei lá’, que dá um troço irado, ou vice e versa. Tanto faz.
A volta do trabalho é sempre pior, é sempre mais longa e é incrível como sempre chove. Justo hoje que a previsão afirmou que não ia chover. Mas Chiquito não precisa de guarda-chuvas, seu apartamento duplex tem portão automático. É o que eu venho dizendo sempre... Esse Chiquito é esperto pra caralho!
E quando o dia está se aproximando do fim, você tomou seu banho e se acomodou na cama para deitar e se prepara para o dia seguinte, Chiquito usou mais 45 minutos para arrumar o topete e se preparar. A noite é uma criança e a balada só vai começar. Decidiu sair com a estagiária dessa vez, pois Chiquito tem certeza de que os peitos dela são maiores do que os da secretária do pai. Mas que diferença isso faz, amanhã ele pode comprovar com as duas juntas.
Você não consegue dormir, as contas roubam o seu sono. Por outro lado, na balada o Chiquito acabou de colocar três caras para dormir. Um soco aqui, uma cotovelada ali e uns chutes aqui e ali. Entre uma coisa e outra arruma o cabelo e pisca para a gatinha que está impressionada com a sua força. Chiquito vai pegar mais uma.
Amanhã, sua vida vai ser exatamente igual ou pior do que a vida que teve hoje. Mas para Chiquito, não vai ser pior, vai ser melhor ainda; amanhã vai tomar 4 pretos. O preto é o mais irado, chega a dar um troço do tipo... ‘sei lá’!
Não sei você, mas quando crescer, eu quero ser que nem o Chiquito! Cara esperto pra caralho!

quinta-feira, setembro 01, 2011

Eternidade


Alcançar o amor é fácil, o difícil é mantê-lo. O comodismo e a preguiça deixam-no morrer de fome, e depois se arrependem numa morbidez pessimista. Tem gente que acredita na eternidade sem o tempo.


Tique taque,
Passam-se as horas
Bem na nossa frente
Mas a gente não vê.

Oras,
O que é um grão de areia na praia?
Uma gota d´água pra chuva?
Uma centelha da chama?
Ou um “eu te amo” na cama?

Um segundo não é nada,
Se uma hora for marcada,
Mas é primeiro!
Senão a hora não se faz por inteiro.

Um giro pro cata-vento?
Pro sonhador, uma miragem?
E para a janela do trem,
O que é uma paisagem?

Assim é a eternidade sem o tempo.
O cata-vento sem rodar.
O trem sem viajar,
E a chama sem brilhar.
Assim é a eternidade,
Uma sequência de fotos que formam o filme,
Que dão movimento.
De versos que dão a rima, o ritmo,
E o sentimento.
De carinhos que compõem o amor
De gestos que constroem amizades
Trocados fazem a cumplicidade.

E mútuos,
Alimentam-se,
Para sempre.
Pois a eternidade não é uma,
Senão várias!

terça-feira, agosto 30, 2011

Acaso

Não importa se andamos com um pé de coelho no bolso, ou se andamos com uma muda de arruda atrás da orelha. Ou se preferir, um chumaço inteiro.
Você pode ter a mania de acordar e não encostar seu pé esquerdo no chão antes do direito. Fugir de escadas abertas no seu caminho, você é especialista. Os gatos pretos, nem se quer se aproximam de você, o que dizer de cruzar a sua frente, certo?
Um espelho jamais caiu de sua mão, pois esse deve ser o objeto o qual segura com mais cuidado. E em seu bolso (não aquele com o pé de coelho, o outro), você carrega uma pequena figa. Na carteira, um raro trevo de quatro folhas, não é?
Mas que diferença isso vai fazer?
Acredita que os acontecimentos ao redor de sua singela vida serão afetados se alguma dessas superstições não for seguida a regra?
Somos menores do que pensa, logo, isso não o poupará de ter um dia de má sorte. Por outro lado, não somos marionetes que caminham no percurso, já pré-determinado, do destino. Somos maiores do que isso.
Estamos numa tênue média dessas coisas, onde o acaso pode interferir nossa rotina e plantar a má sorte naquele dia, quer você saia de casa ou não. Quer você ande com a arruda na orelha, ou não.
Mas quando isso acontecer, quando o seu dia lhe aborrecer, não resgate da gaveta aquele empoeirado chaveiro de pé de coelho. Ao invés disso, lembre-se que o acaso pode estar jogando a nosso favor. O acaso pode nos livrar de passar por algo pior.
E se por acaso você não acreditar no acaso... Bom, nesse caso eu vou rezar. Rezar pela pobre alma dos inocentes coelhos que, mesmo tendo seus pés consigo o tempo todo, não terão sorte de sobreviver com você a solta.

quinta-feira, agosto 25, 2011

Quem pode parar o vento?

Quem pode parar o vento?
De soprar,
Do movimento,
De amar,
De um sentimento.
De ser livre do tempo.

Permanentemente insatisfeito.
Mente insatisfeita,
Nunca contenta em descansar
Dúvidas que morrem
E se tornam respostas,
Que se tornam dúvidas.
Como o sangue que não pára de vazar

Queria por hora parar,
Viver como na fantasia,
Sem precisar explicar,
Ser, estar, e sempre, sempre sonhar
Até onde esse vento puder me soprar
Erguer as velas, e navegar,

E morrer,
Como se morre uma dúvida.

terça-feira, agosto 23, 2011

Dono da razão

O que é que aquele velho sabe? Ele sempre está se metendo na minha vida. Risc, risc. Já sou um homem maduro, tenho consciência daquilo que estou fazendo e das decisões que estou tomando. Risc, risc. Trabalhei duro para conquistar tudo que tenho e o suor foi meu. Eu decido o que vou fazer. Risc, risc.
Eu vou seguir em frente com meus acordos e meus negócios, tenho certeza que ganharei mais dinheiro do que já tenho e aí jogarei, com orgulho, essa verdade na cara daquele velho. Risc, risc. Aquele encardido só sabe palpitar. Odeio pessoas intrometidas. Risc, risc.
Perdi minha família e meus herdeiros, não tenho que me preocupar com mais nada além de mim. Se eu corro risco, o problema é meu! Risc, risc. Sempre me deito com a consciência tranqüila, mas aquela maldita voz permanece em meus ouvidos. Risc, risc. E pra piorar, aquele velho babão não consegue nem mesmo falar direito. Afinal, quantos dentes sobraram na sua boca? Risc, risc.
O tempo passou e meus negócios não prosperaram como eu imaginei. Não tem coisa pior nesse mundo do que ouvir aquele idiota dizer: “Eu falei!”. Risc, risc. O ancião tinha razão, mas foi pura sorte. As chances eram 50-50. Apostei que daria certo, e o babaca fez questão de me contrariar dizendo que não daria. Risc, risc.
A única propriedade que me restou foi a velha fazenda que pertenceu a ele. Na verdade, acho que foi ele quem construiu essa espelunca que está a ponto de despencar. Risc, risc. Eu nunca odiei tanto uma pessoa como odeio esse velho intrometido. Se existe alguma coisa no mundo que possa trazer azar para alguém, essa coisa é a múmia ambulante que está no quarto ao lado. Risc, risc.
Estou aqui pensando... Sou tão azarado que esse velho, mesmo estando com um pé na cova, vai viver mais do que eu. Risc, risc. Eu poderia mudar isso, sei disso. Mas eu aposto o coração que bate no meu peito que se eu falasse que viveria menos do que ele, o maldito se jogaria do penhasco apenas para ter a razão, como sempre teve. Risc, risc. Ele faria isso e gritaria, “você se enganou de novo!”. Eu não suportaria.
Então, dessa vez eu não deixarei que ele seja o dono da razão. Risc, risc. Pelo menos uma vez em minha vida vou tomar uma decisão que ele não terá como me contrariar e ainda por cima sair com razão. Risc, risc. Hoje, esse velho otário vai ver só. Quem ele pensa que é? Risc, risc. O que é que ele pensa que sabe? Ele não sabe de nada!
Ele pode ser mais experiente, ele pode ter vivido mais tempo do que eu. Pode até mesmo já ter passado por tudo que eu passei e ter aprendido com isso. Risc, risc. Mas isso não lhe dá o direito de palpitar e contrariar minhas decisões. Ainda por cima, teima em estar certo quando me repreende. Risc, risc. Hoje eu acabo com ele.
Passo o dedo pela lâmina. Risc, risc. Sim, está extremamente afiada. Risc, risc. Corto aquela maldita língua junto com suas sempre-certas-decisões. Risc, risc. Aproximo dele e não faço a menor questão em me esconder, a decisão é minha e ele não pode me contrariar. Risc, risc. Hoje, sou eu que tenho a razão. Ele vai morrer.
- Você vai me matar – ele afirmou com a voz calma e cuspida entre as gengivas banguelas.
Aquilo me congelou, paralisou meu sangue e me deixou desconcertado. Maldição! Que velho filho da puta! Eu não posso deixá-lo morrer tendo razão. Risc, risc. Confiro a lâmina e o fio está mais afiado do que nunca. Risc, risc. Penso por alguns instantes e por fim dou uma gargalhada. Risc, risc. Os olhos castigados pela catarata se arregalam ao ver a lâmina passando pelo pescoço em um movimento rápido e decidido.
Minha visão começou a ficar turva, senti o sangue escorrendo pelo extenso corte que fiz, o ar não chegou mais em meus pulmões. Quase não senti dor, pelo contrário, senti a melhor sensação da minha vida. Dessa vez ele não teve razão. Hoje, eu morri com a razão!